Palavras à Milanesa

Palavras à Milanesa
Não! Este blog não é de gastronomia. Mas de palavras. À Milanesa. Palavras simples como este prato de arroz com feijão, bife e batata frita.

domingo, 10 de julho de 2011

Exercícios de Memória

Quando todas as luzes se apagam, tudo vira filme. Os personagens tomam seus lugares e seus enredos se desenrolam. Ao final, descem os créditos, de carbono. Nenhum homem é uma ilha. Nem mesmo eu, que me abono e me chamo Caio. E com leveza caio em minhas lembranças. Volto pra outras esquinas. Me resgato de situações que vivi. Sou o único autor do livro da minha própria vida e da minha existência, que precisa ser plena, revisitada. Revisitar está na moda. Meu primeiro livro, que tento escrever agora, me leva novamente a lugares em que já estive. Sou ave em busca de seu próprio voo. A libertar-se das correntes que amarram a iniciação. Não quero repouso. Quero pousar e voar, pousar e voar e voar.
O relógio está atrasado. Por ele, 7h. Minha certeza interna diz que são 7h30min. Hora de ir embora. Hora de falar a verdade. De ouvir a verdade interna que carrego dentro do peito. Tudo com muito respeito. Acordo cedo, antes dos galos e das galinhas. Do sono parto para a vida, da vida para o cotidiano, do cotidiano para o plano, do plano para as diversas dimensões. Me arrumo e sigo para o colégio no ônibus lotado que passa carregando aquelas pequenas realidades em forma de crianças. As notícias chegam cedo, com o raiar do dia. Já nesta época corria atrás delas por debaixo da porta.
E no pátio interno do colégio o hino nacional é a canção que une todos num só ideal. Pra frente Brasil. Este é o sentimento que desde criança nos é imposto. Imposto pra tudo. Pra morar, pra namorar, pra estudar, pra comer. Quando vão nos cobrar o ar? Quando acabar a energia, eu diria. O Brasil é o país do futuro, mesmo no escuro. E como todos os gatos são pardos, faz escuro, mas eu canto em homenagem ao Thiago de Mello.
Pra tudo tem medida provisória a fim de eternizar o definitivo. De crise em crise o governo enche o papo. Papa o povo. A gente, bobo, cai de novo. Pronto, é botar um curativo. Passar o dedo na ferida e lamber a cria. Xó apagão.
Nos anos 80 eu fui criança e adolescente. Doce era como democracia. Em cada esquina uma eleição e todos com direito a voto. Deixa o paletó na cadeira que eu já volto. Eu sou minerva, café com leite. Que nada, sou mais um plano verão, Flamengo de coração. Pelo menos era esse meu time nas tardes de domingo no Maraca. Meu avó era meu aval para o mundo. Meu passaporte. Aposentado, era ele quem me levava para o divertimento diário, para esquecer das tristezas da casa em família.
A própria já era destroçada. Bem cedo ficamos órfãos. Meu pai foi-se, mas não morreu. Pior talvez. Estava perto mas longe, num apartamento na Urca, um pequeno apertamento. E meu coração apertado.
Família era coisa boa que nunca tive bem. Era bem que me foi tomado. Festa de aniversário, parentes presentes, muito presentes, coca na geladeira, onde estavam meus sentimentos. Frios como a parte sul da Argentina.
Mas o tempo passa para todos. E para mim também. Hoje sou reflexo no espelho que espalhou minhas diversas imagens pelos cantos da casa antiga da infância vivida com ardor. Agora, metido o peito em lembranças, ânsias e angústias, estou aqui tentando reescrever a minha história. São 20h de um feriado, estou sozinho em casa.

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