Palavras à Milanesa

Palavras à Milanesa
Não! Este blog não é de gastronomia. Mas de palavras. À Milanesa. Palavras simples como este prato de arroz com feijão, bife e batata frita.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

AS BELAS TARDES DENTRO DA TOCA

Certamente as famosas tardes em Itapoã eram maravilhosas. E quem sou eu para desmentir duas figuras como Toquinho e Vinícius, que tanto exaltaram a praia de Salvador em sua música. Mas aquelas tardes dominicais na Toca do Vinícius também fizeram história e também são motivo de boas lembranças. Aquela “pequena Toquinha”, no coração de Ipanema, fez centenas, talvez já milhares de pessoas felizes naquele que era, antes, o dia mais chato da semana, o domingo pé de cachimbo. O dia de ficar em casa lendo jornal e botando o sono em dia.
Desde o nascimento da Toca, lá pelo meio da década de 90, os simpáticos shows programados pela família Afonso já levaram o público que lota a calçada ao delírio com shows artistas famosos como Carlos Lyra, Wagner Tiso, Victor Biglone, Os Cariocas, Tito Madi, Quarteto em Cy, entre tantos e tantos outros. Assim como também foi aberto precioso espaço para jovens de indiscutível talento como Kiko Furtado, ou mesmo outros jovens com indiscutível talento e de linhagem nobre como Kay Lyra e Philipe Baden Powell.
O público que já esteve lá teve o privilégio de ouvir música da melhor qualidade e, o que sem dúvida agrada a todos, totalmente de graça. É a democratização absoluta do banquinho e do violão. Literalmente, aliás, um casamento perfeito, pois o banquinho é levado pelo público e o violão, o piano de cauda, a bateria, trazida pelo artista ou mesmo oferecida pela Toca, no caso do piano de cauda. Pois, de fato, a família Afonso sempre se preocupou em oferecer aos visitantes este tipo de experiência sensorial do mais alto nível e com sentido absolutamente pedagógico e educativo. Para os mais interessados, há também uma bela, simpática e aconchegante lojinha, com CDs, livros, camisetas, tudo com motivos musicais. A lojinha, sempre pensei eu, serve como atividade meio, para sustentar a atividade fim, que seria a propagação da cultura musical brasileira.
Carlos Alberto Afonso, sua mulher Natalina, e seus filhos sempre tiveram e têm indiscutível zelo e atenção com aqueles que passam através da porta de vidro da Toca, interessados em mais se aculturar, pesquisar algum CD, DVD, em assistir a algum show ou mesmo trocar um dedo de prosa com o Carlos Alberto, sempre a postos.
No início de seu projeto pedagógico, ainda nos anos 90, talvez início dos 2000, Carlos Alberto programava os eventos para o segundo andar da Toca. Um tanto quanto pequeno, o local recebia apertadamente cerca de 30, no máximo 40 pessoas. Como era mágico subir aquelas escadas. Naquele pequeno espaço, os acordes que vinham eram sempre agradáveis e, melhor, estávamos, nós da plateia, a uma distância muito pequena uns dos outros e do artista também. Tudo isso favorecia a atmosfera acolhedora e calorosa do evento. Caloroso, aliás, também era o clima lá em cima.
Penso que por causa do tamanho e do calor, além de algum outro motivo particular, foi que o Carlos Alberto mudou já há algum tempo o local dos shows. Minha memória afetiva me faz lembrar de grandes shows ali na calçada e, em especial, uma apresentação do imenso, do enorme Tito Madi, amigo querido. O grande cantor, com voz de veludo, coração de menino e timbre para ouvidos privilegiados. Ele foi o centro de uma homenagem na Toca e ali reencontrou, na ocasião, após décadas, o maestro Georges Henri, uma das pessoas responsáveis pelo seu lançamento como cantor romântico. Foi emocionante!
Garoto e sem pressa de ir pra casa, lembro-me das tardes que ali ficava a pesquisar as estantes. Quantos maravilhosos livros, quanto conhecimento, quanta informação. Meu Deus, quantas maravilhas literárias esperavam a hora de, ávidas, pularem de lá para as mãos de alguém, como eu, que soubesse o que fazer com elas.
Além de pesquisar as estantes, outra pesquisa fazia-me muito bem. Nas conversas entre um cliente e outro, trocava ideias e discutia ações e iniciativas, sempre pedagógicas, com o Carlos Alberto. A mais recente deu-se por ocasião do aniversário do poetinha, que em 19 de outubro de 2000 faria 87 anos. Mais uma vez, o missionário e viniciólogo traria uma ideia interessante e instrutiva. Levar a poesia de Vinícius para toda a parte e nisso estava incluída a Escola Pública. Desta vez, no entanto, o destino era Marechal Hermes. No ano de 1999 fora no Arpoador, na Escola Castelnuovo. Pensei eu, na época, com meus botões: - Neste ano, andamos mais alguns quilômetros. Será sempre assim? A cada ano, a distância vai aumentar ?
Mas por outro lado, outra distância parece diminuir: entre o universo do aluno de escola pública e o de Vinícius de Moraes. Que distância mais percorrerá Carlos Alberto? Até onde levará Vinícius, a Bossa Nova e a boa música consigo? Viva a Arca de Noé e viva a João Gilberto que completa 80 anos no próximo dia 10 de junho, neste ano de 2011.

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