Palavras à Milanesa

Palavras à Milanesa
Não! Este blog não é de gastronomia. Mas de palavras. À Milanesa. Palavras simples como este prato de arroz com feijão, bife e batata frita.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Carta-poema-crônica para um velho pai

“Estive em vários lugares e só me encontrei dentro de mim mesmo”, John Lennon. Roberto vivia sem seu pai desde seus quinze anos, quando amargurado com sua vida, o cinquentão fechou sua loja de material de construção no centro do Rio e foi tentar a vida nos Estados Unidos a fim de fazer a América como se dizia. A experiência não deu lá muito certo e o pai de Roberto ficou a ver navios. Atacado por um orgulho ferido e por qualquer eventual medo de rejeição da família que deixou pra trás ou sabe-se lá por quê - especula-se - nunca mais voltou, tendo morrido nas terras do Tio Sam, já como cidadão americano, como sonhava, ou melhor, como sonharam por ele. Poucos meses antes da morte do pai, porém, Roberto, já quarentão e com dois filhos pequenos com aquelas idades nas quais as crianças precisam de um avô, trocou a última das cartas com aquele que a certidão de nascimento dizia ser seu pai. Nela, ao invés de escolher uma narrativa em prosa, pôs-se a escrever um poema. Era a missiva de despedida, mas ambos não sabiam. “Querido pai, depois de sentir tanto a sua falta e por tantos anos, decidi transformar minha melancolia em poema. Espero que o mesmo encontre-o com saúde. Poema a um velho pai Procura-se um pai na estrada da vida: que nos leva, todos, algum dia, à morte. Um pai, procura-se: acha-se, com sorte! Pelos quatro cantos do mundo, nas telas de um impessoal computador. Com a dor imensa de um parto que partiu, que pariu novos horizontes no coração que um dia viu o amor nos tempos de cólera. Procura-se um pai entre as quatro paredes do quarto. Quando durmo, quando sonho e quando deixo meus filhos a sonhar com aquele retrato na estante. Naquele instante e só! E meu pai segue congelado, consagrado pelas bandas que o largam internet a dentro e nos “tecnologizam”. E nos acostumam a navegar, porque é preciso. Procura-se o avô do computador, que é sem nunca ter sido. Virtual, como é sabido, de contatos esporádicos e afetos imprecisos. Vida, Vida, Vida! Caminha com teus passos largos. Não deixa que o arrependimento, a dor e a saudade virem apenas vontade, virem apenas lamento! Ao acabar de dar à luz aquele pequeno poema, Roberto colocou um ponto final no texto. Foi a última carta trocada entre eles.

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