Palavras à Milanesa

Palavras à Milanesa
Não! Este blog não é de gastronomia. Mas de palavras. À Milanesa. Palavras simples como este prato de arroz com feijão, bife e batata frita.

domingo, 8 de maio de 2011

O QUINTAL E A VARANDINHA

Tenho me esforçado muito para que meus filhos tenham uma infância com boas lembranças na idade adulta e a um quintal, como eu tive. Peço a Deus que fique marcado em seus corações e mentes muito mais os passeios de domingo ao Jardim Botânico, as constantes idas ao Shopping da Gávea, o quintal do nosso apartamento, ou mesmo as inúmeras idas ao teatro, ao Oi Futuro, do que as vezes que já não posso mais contar com os dedos das duas mãos, em que, sem paciência, bati ou briguei com eles.
Infância é sagrada. E sagrado é também o direito de ter uma boa infância. Minha responsabilidade como pai é grande. Não me furto dela nem fujo da raia. Quero ser um pai presente que se orgulhe de ter construído uma relação sólida com os filhos. Falo isso hoje, quando as crianças estão pequenas ainda, mas escrevo também pensando em ler estas linhas daqui a 10 anos quando a infância de ambos, Clara e Francisco, já tiver passado, e eles forem ( serão) felizes adultos. Terei cumprido minha tarefa, meu objetivo?
Hoje, andando pelo Posto 6, em Copacabana, parece que passa um filme em minha cabeça e eu me vejo ali, naquele mesmo quarteirão, 25, 30 anos atrás. Foi na rua Raul Pompéia, nome de poeta e escritor vim a saber mais tarde, que eu literalmente descobri o mundo. Nasci numa casa em Ipanema e com um ano de idade mudamos para o Posto 6. Ali, fiquei até mais ou menos 1990, quando eu tinha por volta de 18 anos.
É, os primeiros 18 anos da vida de uma pessoa também marcam bastante. O sujeito passa pela infância, adolescência e finalmente chega à idade adulta. A primeira carteira de motorista, ah, a primeira namorada, primeiras tantas coisas..... “Sem querer fui me lembrar de uma rua e seus ramalhetes...”. Os versos da música do Tavito marcaram demais a minha infância, inicio de adolescência, e marcam até hoje. Tenho um carinho enorme por essa música e o Tavito nem sabe. Essa música me remete instantaneamente à minha infância.
No inicio de 1982 fui à Bolívia. Aquela viagem foi mágica. Eu já tinha ido à Bolívia uma vez pra visitar meus avós, mas era muito pequeno, tinha cerca de 3 ou 4 anos. Mas da segunda vez, eu já tinha 10 anos. É, 10 anos! Foi lá que eu soube, pelo rádio, que a Elis Regina tinha morrido. Foi um baque pra mim. Talvez o primeiro da minha vida. Eu tinha 10 anos e não tinha noção da importância dela na música brasileira. Mas alguma coisa dentro de mim me dizia que era uma grande perda. Hoje eu vejo pelo You Tube as imagens do velório dela e fico imaginando. Pôxa, eu soube pelo rádio que a Elis morreu, não estava no velório dela mas hoje tenho a oportunidade de me transportar pr’aquela situação. Que coisa fantástica a tecnologia!

Mas voltando à Bolívia, eu quero muito levar meus filhos lá, sabe. Quero que eles saibam que as nossas origens estão na Bolívia, tanto quanto estão no Rio, São Paulo, Minas ou Portugal, quanto também estão no Rio Grande do Sul, Uruguai, Minas também, etc, pelo lado da mãe deles. Aliás, eu quero levar os meus filhos a todos estes lugares e a outros mais. Quero levá-los a Nova Iorque. Costumo dizer, pra mim mesmo, que é de lá que eu venho. Foi lá que meus pais namoraram e depois vieram a se casar no Rio de Janeiro. O casamento, é bem verdade, não deu lá muito certo. Mas gerou este ser que está aqui agora escrevendo estas memórias. Mas sabe de uma coisa? Não estou aí se o casamento não deu certo. É preciso respeitar o livre arbítrio de cada um, seja quem for. Não era pra ser, pronto. Foi na Raul Pompéia que meus pais se separaram. Eu fiquei muito triste quando isso aconteceu, mas como acabei de escrever, agora já passou. Tudo passa e o melhor sempre acontece.
Incluída aí a viagem à Bolívia já citada, em 1982, os anos 80 foram muito marcantes pra mim. Foi um período de transição. Logo no início dos anos 80, no final de 1981 eu troquei de colégio. Troquei por que repeti o ano. No Cruzeiro, deixei grandes amigos. Os primeiros que fizera na minha vida. Particularmente cito dois deles, Leonardo Marotte e Renato Marchon, e suas famílias. Não fazíamos nada separados. Desde a natação até os finais de semana em Friburgo, Vassouras ou Arraial do Cabo.
Particularmente, lembro de uma ocasião em que estávamos dormindo na casa de Arraial dos Marchon que foi invadida durante a madrugada. Os assaltantes rondaram a casa mas não entraram. Apesar de meu irmão afirmar e apostar que, sim, eles entrarão, eu não me lembro disso. Em outra ocasião, estávamos todos nós, os amigos inseparáveis e suas famílias em Friburgo, na casa dos Marotte. De repente um de nós entrou no corcel azul da família do Renato, estacionado no quintal, e soltou o freio de mão. O carro desceu terreno abaixo. Foi um milagre que não havia nenhuma criança na frente do carro. Era um abraço!
Mudei então de um colégio alemão, o Cruzeiro, no centro da cidade, para outro na beira da praia do Arpoador, o Isa Prates. Ali nos fundos do colégio, aliás, que nasceu o Circo Voador que migraria pra Lapa pouco depois. Foi uma transição difícil. Sai de um colégio com padrão mais rígido, alemão, para outro um pouco mais flexível, que tinha mais força nas matérias de humanas, apostava nas aulas de teatro e nos campeonatos intercolegiais.
Ao invés de acordar às 6h da manhã e me apressar pra pegar a condução do Cruzeiro, que fazia um verdadeiro tour pela zona sul pra buscar todos os alunos e levá-los a fim de que estivessem às 7h30min em sala de aula, eu passei a poder acordar um pouco mais tarde e ir a pé pra escola. Eram os anos 80, meus amigos, e não havia nem sombra dessa violência toda com a qual a gente convive hoje.
No caminho da escola, mais ou menos na esquina da Bulhões de Carvalho com a Francisco Otaviano, nos tínhamos encontros eventuais e regulares com um tal de Doidão. Doidão era um pivete, um pivetinho. Uma espécie de Zé Pequeno do filme “Cidade de Deus’, guardadas as devidíssimas proporções e fazendo as devidas distinções. Doidão metia medo na gente, acho que com um pequeno canivete, e nos levava, de mim e de meus amigos, pequenos adereços da época como relógios water proof, entre outros. Nunca me encostou a mão. Eram outros tempos, cavalheiros. Até os assaltantes tinham mais classe. Por onde andará você, Doidão?
Na Raul Pompéia morávamos num apartamento térreo. Era como se fosse uma casa, pois tínhamos um quintal inteiro pra nós. Ali jogávamos futebol, ping pong, entre outras brincadeiras de criança. Mas nem tudo eram flores no quintal. Também havia ratos, que subiam para o apartamento. Desde cedo, convivi com ratos em nossos quartos e pela sala. Mas no final das contas era divertido sair perseguindo os ratos com cabo de vassoura. Pobre de mim que matava os ratos na infância e hoje não posso matar os ratos da política e da corrupção.
Já adulto e morando no Leblon, soube, com frustração, que o condomínio do Edifício São José – este era o nome do edifício - nos tomara o quintal do apartamento de propriedade da minha família, que hoje está alugado para ilustres desconhecidos que não sabem da missa a metade e não têm ideia do que passei naquele apartamento. Tínhamos três quartos e espaço de sobra. Meus filhos teriam gostado do quintal que tínhamos. Hoje eles têm um espaço mínimo apertado entre um quarto e outro, carinhosamente chamado por eles de “varandinha”. São outros tempos, alguém irá dizer. Mas todos deveriam ter direito a um quintal como eu tive!
Adaptado ao Isa Prates, em 1983, com 11 pra 12 anos, eu começara a fazer outras amizades. Particularmente cito o Alessandro ( Kiko) Meirelles, o Guilherme Araújo e o Eduardo Frota. Foi com estes grandes amigos que comecei a jogar botão. Fazíamos campeonatos e disputávamos os melhores times. Foi nesta época que ganhei uma mesa de ping pong de aniversário. Com uma mesa no quintal, eu passei a treinar bastante. Kiko, Duda, Guilherme e eu fazíamos campeonatos de duplas. Eu dormia muito na casa do Kiko. Foi lá, no dia 21 de abril de 1985, que eu assisti na televisão a notícia da morte do Tancredo Neves. Outro baque. O Kiko também tinha uma cachorrinha, a Monique. Por onde andará você, Monique? Apesar de eu ter um belo quintal, o futebol só tinha graça na casa Duda, que ficava na Sá Ferreira. Jogávamos no térreo, num espaço que até hoje não sei definir se era um play ou algo semelhante. Uma rua depois, na Souza Lima, era a casa do Guilherme. Foi lá que vi pela primeira vez alguém tocar guitarra. Ele mesmo, o Guilherme. E foi neste intercâmbio de casas e atividades que os anos 80 se passaram pra mim. Espero e peço a Deus que meus filhos tenham direito a, como na música, uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela pra ver o sol nascer. Um belo quintal onde possam plantar seus sonhos e deixar sementes de amor. Filhos, papai ama vocês!

Nenhum comentário:

Postar um comentário