Era segunda-feira e Fulano acordava. Ao abrir os olhos, lembra-se imediatamente do personagem central de um livro do Lourenço Mutarelli que agora lhe fugia da memória. Lembra bem do personagem mas o nome do livro nada.
Na história, Paulo é um analista de sistemas que desaparece junto de sua mulher e sua filha. Após um ano, ele retorna sem lembrar o que lhe aconteceu e muito menos sem saber o paradeiro das duas. Pra piorar a situação, o personagem diz à terapeuta não sentir a falta delas. A única coisa que sente é um cansaço extremo.
Ao lembrar-se do enredo do livro no seu sonho, Fulano entende perfeitamente a razão de seu mau humor. Era segunda-feira e ele acordava sentindo-se desorientado, assim como o personagem do livro.
- Aqui estou eu às ordens de mais uma semana capitalista. Ah, diacho!! Até ontem estava tudo bem. Prainha com a patroa, cinema com as crianças, ilusões, sonhos, fantasias... até sexuais, transa no final do dia....
Naquele entardecer de último dia do final de semana não havia contas a pagar. Afinal, era domingo, pé de cachimbo, malandro é o gato e tudo são flores.
- Eu sou apenas mais um rapaz latinoamericano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, sobrenomes e salamaleques - elocubrou.
Na sala do pequeno apartamento alugado de dois quartos e cheio de infiltrações, um porta-retrato com a foto imortalizada no dia do casamento, vinte anos passados, fazia Fulano lembrar-se de quem era.
- Sujeito homem, casado, barbado, pai de família, que às vezes vacila e na maioria acerta na mega sena, na mega sina. Super mega enrolado, mas boa gente. - classificou-se.
- Tá, tá bom, mas....voltando à vaca fria, quem sou eu? - indagou.
A correspondência do banco que chega por debaixo da porta e não perdoa, além do porta-retrato na sala do pequeno apartamento de dois quartos e cheio de infiltrações, é outro indício que o faz lembrar. Ele é aquele CPF, aquele FDP. É, filho da puta mesmo. Aquele nome no SERASA. Mais um na estatística. Mais um a responder o senso do IBGE.
Fulano era também mais um a jurar que fazia juras de amor eterno ao modelo vigente, mas sem juros, interesses e segundas intenções.
- É segunda-feira - se lembra de novo Fulano ainda deitado na cama sem forças pra levantar.
- É dia de botar o terno. Mesmo sendo eu sujeito carinhoso e terno, tô na selva, tô na briga. Tô na chuva pra me molhar - defendeu-se.
Fulano estava mesmo se sentindo um tremendo frango de padaria, desossado e duro. Mas ele é brasileiro e não desiste nunca.
- Apesar de você, como diria o Chico, amanhã há de ser outro dia. Hoje é segunda, amanhã é terça e a esperança é última que morre. O Paulo e o Lourenço Mutarelli que me perdoem, mas a felicidade há de bater na minha porta. Ah se vai!
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