Palavras à Milanesa

Palavras à Milanesa
Não! Este blog não é de gastronomia. Mas de palavras. À Milanesa. Palavras simples como este prato de arroz com feijão, bife e batata frita.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

PEDRA 90

Chegou o dia. É 25 de maio, aniversário do Zé Maria. Noventa primaveras. Parece que foi ontem que o rapaz saiu de Uberaba em direção ao Leblon. Das Gerais para o Janeiro. Do público pro particular. Das Minas para o Rio. Pra Lagoa, para o mar. Etá marzão, sô! Um mineiro solteiro, solto, perdido no Rio, nos anos 30. Que estrago, vai um trago aí?
Mas que nada, sai da minha frente que eu quero passar. Zé Maria foi sujeito sério, operário em construção, tornou-se engenheiro civil, viu prédios, construiu. Foi polícia civil e, dizem, até, chefe do Carlos Éboli, que batiza o Instituto de Criminalística da cidade. Bom para o Éboli que recebeu a honraria. Mas que deve ter tido um dedo do Zé Maria, a se deve, de verdade. Foi dono de pedreira, ponta firme, pedra noventa. Cara de bravo e coração de manteiga.
Reza a lenda, reza a Ave Maria, reza Zé Maria. Católico praticante, amigo do padre Sérgio, da Nossa Senhora da Glória do Outeiro, que rezou missa no jazigo, já contei aqui. E se os últimos serão os primeiros, como candidato, Zé não foi muito longe, apesar dos santinhos, plataformas e panfletos. Mas pra quê se o sujeito já era o eleito na Visconde de Albuquerque? Ali reinava entre quatro mulheres: esposa e filhas. Depois vieram os genros, os netos. Nenhum deles predileto, todos diletos.
Hoje, Zé Maria já não tem mais a vida ativa que tinha. Tem Alzheimer e está sempre em companhia de alguém que, a seu lado, o auxilia nas tarefas do dia a dia. Nada mais justo pra quem só plantou amor e vive rodeado dele. Zé Maria passou bem o aniversário após um susto no hospital na semana anterior. Cantou parabéns, soprou vela ajudado pelos netos, nenhum deles prediletos, todos diletos, comeu bolo com salaminho, sorriu só um pouquinho e lembrou o nome dos convidados. É Zé Maria, feliz aniversário!

quarta-feira, 25 de maio de 2011

PREVISÃO

É quase junho, eu testemunho! O ano tá passando rápido, mas à prova de larápio que pensa roubar o tempo perdido. Achado, a vida é um achado. Um beijo estalado, chiclete menta, mel com melado. Coração aguenta. Frase feita: o que é meu está GUARDADO!

terça-feira, 24 de maio de 2011

TRINTA ANOS, TRÊS HORAS DA MANHÃ

É maio. Me chamo Roberto e estou aqui na sala batucando estas linhas no netbook já quase aos 40 anos, que completo em setembro. É madrugada. Perto de duas da manhã de algum dia 20, de quinta pra sexta-feira. De repente, minha mulher abre a porta e exclama, irritada: “Que vício, hein! E eu, irritado: - Que vício o quê? Ela jurava que eu estava no facebook, mas na verdade só batucava estas linhas, que aliás batuco ainda. Na televisão, estava começando o programa do Jô. Ele entrevistava o cartunista Laerte que contava sobre sua experiência como bissexual e sobre o hábito de vestir-se de mulher. A segunda entrevista era com a atriz Denise Fraga e o marido, Luiz Villaça, que estavam lá pra divulgar uma peça. Por fim, o terceiro entrevistado era um sujeito que lançava um livro.
Após divagar, volto ao propósito do texto. Estava na cama me revirando e sem sono, relembrando meus dez anos anteriores. Minha década mais recente começou em 2001, quando completei 30 anos. Morávamos na rua Aperana, no Leblon. Não havia filhos. Era um bom apartamento quarto e sala de uma amiga da minha mulher. Ponto excelente, final do Leblon, ao lado da praia e do burburinho do baixo. Tínhamos uma boa vida, chegamos a ter dois carros - um deles presente da minha falecida tia rica, dona de uma fábrica de pães – além de uma cachorrinha de uma famigerada ex-colega de faculdade, ex-sócia, e ex-amiga, que adotávamos durante finais de semana eventuais. Se não tínhamos dívidas, tínhamos muitas dúvidas.
Entre elas, a gravidez. Eu mesmo não queria muito na época. O primeiro filho, como seria? A primeira gravidez da minha mulher foi anembrionada. Fiz até uma crônica na época, "Um Pulinho na Terra". Foi duro! Minha mulher ficou grávida pela segunda vez por volta de outubro de 2001. Eu acabava de completar 30 anos. Ela 33. Sempre tive uma ligação muito forte com número três. Minha filha mais velha nasceu em julho de 2002, quando nós dois ainda tínhamos, por pouco tempo, as mesmas idades do início da gravidez. Foi uma alegria! A avó paterna não foi nos visitar no hospital. Castigo: hoje, a menina é a neta preferida.
Agora volto ao número três. Quando minha mulher e eu começamos a namorar, ela tinha 30 anos. Sempre gostei de mulheres de 30! Minha mãe quando se separou do meu pai tinha por volta de 30 anos. Não me lembro exatamente se tinha 29 ou 30, mas o 30 ficou no meu subconsciente. Quando nasci, meu pai tinha entre 29 e 30 anos. Também ficou no meu subconsciente. Foi aí, no se vira nos 30, que o nosso relógio biológico, meu e da minha mulher, começou a acertar os ponteiros. Ela queria ter filhos. No fundo eu também, mas não sabia.
O ano 2001 foi marcante. Dois mais um, novesfora 0 e olha aí o três novamente. Uma odisséia no espaço. Além de ser o ano do início da gravidez da minha filha mais velha, no espaço aéreo de Nova Iorque acontecia o atentado às torres gêmeas. Olha Nova Iorque aí também. Não tinha comentado antes aqui, mas meus pais namoraram, viveram e engrenaram o casamento deles em Nova Iorque. Assisti ao atentado, a partir do segundo avião que se chocou contras as torres, ao vivo pela TV. Parecia uma cena de filme, mas era real. E no Brasil é que já era o real desde 1994. O cônsul de Israel, soube mais tarde, morava em frente da minha casa. Logo em seguida ao atentado, uma patrulhinha da PM foi fazer plantão na frente da minha janela. Ficou lá por dias, talvez meses. Olha a globalização aí. Eram os efeitos do atentado afetando diretamente a minha janela. Dez anos depois e, quem diria, Inês é morta e Bin Laden também!
Se 2001 foi marcante, 2002 foi mais ainda. Como já disse, foi o ano que minha filha mais velha nasceu. Morávamos, de aluguel, numa casa de vila no Jardim Botânico e fomos, em seguida, para o Humaitá. No novo bairro, tivemos que apagar um incêndio. O apartamento, alugado, pegou fogo um dia após a mais velha completar um ano. Até então eu trabalhava como freelancer e não era como bombeiro. O aniversário da minha filha mais velha é 12 de julho. Um mais dois e olha o três novamente.
Eu comecei a trabalhar num organismo internacional da ONU pouco antes da minha filha nascer. Fiquei todo bobo. ONU? Que chique! Nossa vida mudou radicalmente. Tenho certeza de que o empurrão pra melhorar de condição veio da necessidade de criar e educar uma criança, no caso a mais velha. Passei quatro anos naquela agência da ONU. Quando a minha mulher engravidou pela segunda vez, eu ainda estava na tal agência. Meu filho mais novo nasceu em fevereiro de 2006 e quando ele tinha três meses, olha o três de novo, eu fui trabalhar numa empresa de telecom. Novo empurrão, no caso do mais novo! Passávamos, por necessidade, um período na casa da minha sogra, onde o guri nasceu, e depois fomos morar na Gávea – de novo o aluguel - no mesmo período em que mudei os rumos profissionais.
Quatro anos mais tarde, a história se repetiu. Mudei de emprego, tivemos o terceiro filho, mudamos de apartamento. Agora estou numa empresa que atua em várias frentes, entre elas petróleo e mineração. O nome da empresa tem três letras, a mesma quantidade de letras de “Rio”’, cidade onde ela investe bastante. Em 2014, temos a Copa do Mundo, em 2016, as Olimpíadas e o Rio vai bombar! Se bobear vem o quarto filho e uma nova mudança de emprego. Quem sabe nessa eu compro o sonhado apartamento. Mas agora são quase três da manhã e acordo às 6h pra levar a mais velha ao médico. Vou dormir só três horas. Hoje já é 20 de maio, amanhã 21, e temos o futuro pela frente. Boa noite!

terça-feira, 10 de maio de 2011

A FELICIDADE HÁ DE BATER À PORTA

Era segunda-feira e Fulano acordava. Ao abrir os olhos, lembra-se imediatamente do personagem central de um livro do Lourenço Mutarelli que agora lhe fugia da memória. Lembra bem do personagem mas o nome do livro nada.

Na história, Paulo é um analista de sistemas que desaparece junto de sua mulher e sua filha. Após um ano, ele retorna sem lembrar o que lhe aconteceu e muito menos sem saber o paradeiro das duas. Pra piorar a situação, o personagem diz à terapeuta não sentir a falta delas. A única coisa que sente é um cansaço extremo.

Ao lembrar-se do enredo do livro no seu sonho, Fulano entende perfeitamente a razão de seu mau humor. Era segunda-feira e ele acordava sentindo-se desorientado, assim como o personagem do livro.

- Aqui estou eu às ordens de mais uma semana capitalista. Ah, diacho!! Até ontem estava tudo bem. Prainha com a patroa, cinema com as crianças, ilusões, sonhos, fantasias... até sexuais, transa no final do dia....

Naquele entardecer de último dia do final de semana não havia contas a pagar. Afinal, era domingo, pé de cachimbo, malandro é o gato e tudo são flores.

- Eu sou apenas mais um rapaz latinoamericano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes, sobrenomes e salamaleques - elocubrou.

Na sala do pequeno apartamento alugado de dois quartos e cheio de infiltrações, um porta-retrato com a foto imortalizada no dia do casamento, vinte anos passados, fazia Fulano lembrar-se de quem era.

- Sujeito homem, casado, barbado, pai de família, que às vezes vacila e na maioria acerta na mega sena, na mega sina. Super mega enrolado, mas boa gente. - classificou-se.

- Tá, tá bom, mas....voltando à vaca fria, quem sou eu? - indagou.

A correspondência do banco que chega por debaixo da porta e não perdoa, além do porta-retrato na sala do pequeno apartamento de dois quartos e cheio de infiltrações, é outro indício que o faz lembrar. Ele é aquele CPF, aquele FDP. É, filho da puta mesmo. Aquele nome no SERASA. Mais um na estatística. Mais um a responder o senso do IBGE.

Fulano era também mais um a jurar que fazia juras de amor eterno ao modelo vigente, mas sem juros, interesses e segundas intenções.

- É segunda-feira - se lembra de novo Fulano ainda deitado na cama sem forças pra levantar.

- É dia de botar o terno. Mesmo sendo eu sujeito carinhoso e terno, tô na selva, tô na briga. Tô na chuva pra me molhar - defendeu-se.

Fulano estava mesmo se sentindo um tremendo frango de padaria, desossado e duro. Mas ele é brasileiro e não desiste nunca.

- Apesar de você, como diria o Chico, amanhã há de ser outro dia. Hoje é segunda, amanhã é terça e a esperança é última que morre. O Paulo e o Lourenço Mutarelli que me perdoem, mas a felicidade há de bater na minha porta. Ah se vai!

SABADOS PARA TWITTER

Sábado de outono ativa o tonus muscular. A mente. Nada acontece de repente. É preciso plantar. Se cair, se levantar. O melhor acontece, ah!!


Sábado se sabe sabido e sabático. Tudo cabe no sábado. E dele que tudo emana. Infinitas possibilidades no melhor dia da semana!


Sábado de sol, lá pra se fazer um fá do. Sem dó, pra si be mol, be mim, sem ré pedir.

TESTAMENTO

Doença, miséria e fome.
E nisto tudo onde está a mão do homem?
Que consumo ele consome?
Pra quem sorri? O que come?
Por quem chora?
Será pelos mendigos abandonados e com frio na barriga ?

Quanta briga! Quanta briga!
E nisto tudo, a quem acaricia cheio de intolerância e malícia?
Por que praças caminha? de quem se avizinha?
e a quem aborda?
A quem canta parabéns? por quê tanto se apega a seus bens?
E se nada é de ninguém, estamos todos no mesmo barco.

Deixe a vida te levar. Mas não perca a direção.
Fixe um norte na mente. Plante uma semente. Deixe viver.
Dá um abraço, estende a mão.
Encontra um sentido maior. Pede desculpa.
Quem sabe você se encontra num ponto de ônibus à luz da lua.

Do mesmo lugar que você saiu.
Volta às origens, a quem te pariu.
E já que você é Homem, perdoa.
Doa, a quem doa.
E começa de novo!

domingo, 8 de maio de 2011

O QUINTAL E A VARANDINHA

Tenho me esforçado muito para que meus filhos tenham uma infância com boas lembranças na idade adulta e a um quintal, como eu tive. Peço a Deus que fique marcado em seus corações e mentes muito mais os passeios de domingo ao Jardim Botânico, as constantes idas ao Shopping da Gávea, o quintal do nosso apartamento, ou mesmo as inúmeras idas ao teatro, ao Oi Futuro, do que as vezes que já não posso mais contar com os dedos das duas mãos, em que, sem paciência, bati ou briguei com eles.
Infância é sagrada. E sagrado é também o direito de ter uma boa infância. Minha responsabilidade como pai é grande. Não me furto dela nem fujo da raia. Quero ser um pai presente que se orgulhe de ter construído uma relação sólida com os filhos. Falo isso hoje, quando as crianças estão pequenas ainda, mas escrevo também pensando em ler estas linhas daqui a 10 anos quando a infância de ambos, Clara e Francisco, já tiver passado, e eles forem ( serão) felizes adultos. Terei cumprido minha tarefa, meu objetivo?
Hoje, andando pelo Posto 6, em Copacabana, parece que passa um filme em minha cabeça e eu me vejo ali, naquele mesmo quarteirão, 25, 30 anos atrás. Foi na rua Raul Pompéia, nome de poeta e escritor vim a saber mais tarde, que eu literalmente descobri o mundo. Nasci numa casa em Ipanema e com um ano de idade mudamos para o Posto 6. Ali, fiquei até mais ou menos 1990, quando eu tinha por volta de 18 anos.
É, os primeiros 18 anos da vida de uma pessoa também marcam bastante. O sujeito passa pela infância, adolescência e finalmente chega à idade adulta. A primeira carteira de motorista, ah, a primeira namorada, primeiras tantas coisas..... “Sem querer fui me lembrar de uma rua e seus ramalhetes...”. Os versos da música do Tavito marcaram demais a minha infância, inicio de adolescência, e marcam até hoje. Tenho um carinho enorme por essa música e o Tavito nem sabe. Essa música me remete instantaneamente à minha infância.
No inicio de 1982 fui à Bolívia. Aquela viagem foi mágica. Eu já tinha ido à Bolívia uma vez pra visitar meus avós, mas era muito pequeno, tinha cerca de 3 ou 4 anos. Mas da segunda vez, eu já tinha 10 anos. É, 10 anos! Foi lá que eu soube, pelo rádio, que a Elis Regina tinha morrido. Foi um baque pra mim. Talvez o primeiro da minha vida. Eu tinha 10 anos e não tinha noção da importância dela na música brasileira. Mas alguma coisa dentro de mim me dizia que era uma grande perda. Hoje eu vejo pelo You Tube as imagens do velório dela e fico imaginando. Pôxa, eu soube pelo rádio que a Elis morreu, não estava no velório dela mas hoje tenho a oportunidade de me transportar pr’aquela situação. Que coisa fantástica a tecnologia!

Mas voltando à Bolívia, eu quero muito levar meus filhos lá, sabe. Quero que eles saibam que as nossas origens estão na Bolívia, tanto quanto estão no Rio, São Paulo, Minas ou Portugal, quanto também estão no Rio Grande do Sul, Uruguai, Minas também, etc, pelo lado da mãe deles. Aliás, eu quero levar os meus filhos a todos estes lugares e a outros mais. Quero levá-los a Nova Iorque. Costumo dizer, pra mim mesmo, que é de lá que eu venho. Foi lá que meus pais namoraram e depois vieram a se casar no Rio de Janeiro. O casamento, é bem verdade, não deu lá muito certo. Mas gerou este ser que está aqui agora escrevendo estas memórias. Mas sabe de uma coisa? Não estou aí se o casamento não deu certo. É preciso respeitar o livre arbítrio de cada um, seja quem for. Não era pra ser, pronto. Foi na Raul Pompéia que meus pais se separaram. Eu fiquei muito triste quando isso aconteceu, mas como acabei de escrever, agora já passou. Tudo passa e o melhor sempre acontece.
Incluída aí a viagem à Bolívia já citada, em 1982, os anos 80 foram muito marcantes pra mim. Foi um período de transição. Logo no início dos anos 80, no final de 1981 eu troquei de colégio. Troquei por que repeti o ano. No Cruzeiro, deixei grandes amigos. Os primeiros que fizera na minha vida. Particularmente cito dois deles, Leonardo Marotte e Renato Marchon, e suas famílias. Não fazíamos nada separados. Desde a natação até os finais de semana em Friburgo, Vassouras ou Arraial do Cabo.
Particularmente, lembro de uma ocasião em que estávamos dormindo na casa de Arraial dos Marchon que foi invadida durante a madrugada. Os assaltantes rondaram a casa mas não entraram. Apesar de meu irmão afirmar e apostar que, sim, eles entrarão, eu não me lembro disso. Em outra ocasião, estávamos todos nós, os amigos inseparáveis e suas famílias em Friburgo, na casa dos Marotte. De repente um de nós entrou no corcel azul da família do Renato, estacionado no quintal, e soltou o freio de mão. O carro desceu terreno abaixo. Foi um milagre que não havia nenhuma criança na frente do carro. Era um abraço!
Mudei então de um colégio alemão, o Cruzeiro, no centro da cidade, para outro na beira da praia do Arpoador, o Isa Prates. Ali nos fundos do colégio, aliás, que nasceu o Circo Voador que migraria pra Lapa pouco depois. Foi uma transição difícil. Sai de um colégio com padrão mais rígido, alemão, para outro um pouco mais flexível, que tinha mais força nas matérias de humanas, apostava nas aulas de teatro e nos campeonatos intercolegiais.
Ao invés de acordar às 6h da manhã e me apressar pra pegar a condução do Cruzeiro, que fazia um verdadeiro tour pela zona sul pra buscar todos os alunos e levá-los a fim de que estivessem às 7h30min em sala de aula, eu passei a poder acordar um pouco mais tarde e ir a pé pra escola. Eram os anos 80, meus amigos, e não havia nem sombra dessa violência toda com a qual a gente convive hoje.
No caminho da escola, mais ou menos na esquina da Bulhões de Carvalho com a Francisco Otaviano, nos tínhamos encontros eventuais e regulares com um tal de Doidão. Doidão era um pivete, um pivetinho. Uma espécie de Zé Pequeno do filme “Cidade de Deus’, guardadas as devidíssimas proporções e fazendo as devidas distinções. Doidão metia medo na gente, acho que com um pequeno canivete, e nos levava, de mim e de meus amigos, pequenos adereços da época como relógios water proof, entre outros. Nunca me encostou a mão. Eram outros tempos, cavalheiros. Até os assaltantes tinham mais classe. Por onde andará você, Doidão?
Na Raul Pompéia morávamos num apartamento térreo. Era como se fosse uma casa, pois tínhamos um quintal inteiro pra nós. Ali jogávamos futebol, ping pong, entre outras brincadeiras de criança. Mas nem tudo eram flores no quintal. Também havia ratos, que subiam para o apartamento. Desde cedo, convivi com ratos em nossos quartos e pela sala. Mas no final das contas era divertido sair perseguindo os ratos com cabo de vassoura. Pobre de mim que matava os ratos na infância e hoje não posso matar os ratos da política e da corrupção.
Já adulto e morando no Leblon, soube, com frustração, que o condomínio do Edifício São José – este era o nome do edifício - nos tomara o quintal do apartamento de propriedade da minha família, que hoje está alugado para ilustres desconhecidos que não sabem da missa a metade e não têm ideia do que passei naquele apartamento. Tínhamos três quartos e espaço de sobra. Meus filhos teriam gostado do quintal que tínhamos. Hoje eles têm um espaço mínimo apertado entre um quarto e outro, carinhosamente chamado por eles de “varandinha”. São outros tempos, alguém irá dizer. Mas todos deveriam ter direito a um quintal como eu tive!
Adaptado ao Isa Prates, em 1983, com 11 pra 12 anos, eu começara a fazer outras amizades. Particularmente cito o Alessandro ( Kiko) Meirelles, o Guilherme Araújo e o Eduardo Frota. Foi com estes grandes amigos que comecei a jogar botão. Fazíamos campeonatos e disputávamos os melhores times. Foi nesta época que ganhei uma mesa de ping pong de aniversário. Com uma mesa no quintal, eu passei a treinar bastante. Kiko, Duda, Guilherme e eu fazíamos campeonatos de duplas. Eu dormia muito na casa do Kiko. Foi lá, no dia 21 de abril de 1985, que eu assisti na televisão a notícia da morte do Tancredo Neves. Outro baque. O Kiko também tinha uma cachorrinha, a Monique. Por onde andará você, Monique? Apesar de eu ter um belo quintal, o futebol só tinha graça na casa Duda, que ficava na Sá Ferreira. Jogávamos no térreo, num espaço que até hoje não sei definir se era um play ou algo semelhante. Uma rua depois, na Souza Lima, era a casa do Guilherme. Foi lá que vi pela primeira vez alguém tocar guitarra. Ele mesmo, o Guilherme. E foi neste intercâmbio de casas e atividades que os anos 80 se passaram pra mim. Espero e peço a Deus que meus filhos tenham direito a, como na música, uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela pra ver o sol nascer. Um belo quintal onde possam plantar seus sonhos e deixar sementes de amor. Filhos, papai ama vocês!