Palavras à Milanesa

Palavras à Milanesa
Não! Este blog não é de gastronomia. Mas de palavras. À Milanesa. Palavras simples como este prato de arroz com feijão, bife e batata frita.

sexta-feira, 29 de abril de 2011

FESTA NO JAZIGO

Um dia ideal na vida de José Maria Azedinho


José Maria Azedinho tinha 80 anos e há não muito tempo havia perdido
seu pai, que chegou quase aos 100 anos e morreu de causas naturais.
Azedinho era um doce de pessoa, gostava de construir prédios e
acompanhava suas obras se deslocando pra lá e pra cá, dirigindo o seu
próprio carro. Tinha uma bela família, esposa, três filhas, três
genros e três netos. Foi pai mais tarde e avô tardio também.
Era sujeito realizado, católico praticante, bom conselheiro e gostava
de discutir política. Chegou a candidatar-se numa ocasião ao cargo de
vereador na cidade onde vivia, no interior de Minas. Pobre homem,
era muito honesto, também muito crédulo e um sonhador: não foi
eleito.
E foi numa noite dessas que o sonhador teve um sonho, após largar na
cabeceira seu livro preferido, “ Nove Estórias”, do escritor americano
J. D. Salinger, para entregar-se ao sono. Zé Maria interrompeu sua
leitura exatamente quando acabara de ler o conto “Um dia ideal para os
peixe- bananas”. Como bem sabem os apreciadores de Salinger , o conto
acaba em morte.
No dia seguinte, Zé Maria acordou intrigado e associou o final do
conto com um dos sonhos que tivera durante a noite. Ele via seu velho
pai, Luiz Gonzaga, que na Terra era professor de matemática e no Além
continuava a exercer o tal ofício. O pai estava bem, mas parecia quer
dizer algo. Tão claro como dois e dois são quatro, Azedinho
revestiu-se de uma certeza.
- Preciso mandar reformar o jazigo da família. Pintar, lustrar, limpar
e fazer uma bela missa de reinauguração, com direito a padre, reza,
terço e bênção. Assim, meu pai se sentirá melhor – interpretou.
Foi então que Azedinho, super animadinho, começou a mexer seus
pauzinhos como há muito não mexia. Mandou chamar seu Dias de Pinto,
capataz de suas obras, que lhe fazia serviços particulares havia anos,
entre os quais cuidava da conservação do jazigo da família.
Seu Pinto, de sobrenome consagrador, só não consagrava mais a esposa,
Raimunda. Todas as noites, esperançosa, Raimunda
aprontava o jantar e preparava-se como sobremesa a seu ver apetitosa
para os apetites satisfeitos do marido voraz que durante as noites
pintava jazigos, cometia adultérios e despautérios!
Raimunda, depauperada, coitada, só murmurava:
- Vem Pinto, vem. Vem fazer coelhinho na vagava. E o Pinto, manso, nada.
- Mas que nada, sai da minha frente que eu quero passar. O cemitério
tá animado, hoje eu quero é ir pra lá – parodiou Benjor.
E assim, todas as noites, no período em que pintou o jazigo, seu Pinto
saía de casa no horário nobre da novela, deixava sua esposa no jardim
da saudade e dirigia-se ao cemitério para terminar o “silviço”.
Enquanto isso, seu Zé Maria, sem saber da missa a metade, era pura
ansiedade do outro lado da cidade.
Mas num belo raiar de dia, contados sete, de trabalhos intensos e
folia, seu Dias adentra a casa de Zé Maria, trazendo a novidade:
- Alegria, alegria, seu Zé Maria. É hora da Ave Maria, o jazigo se
anuncia. Chega de melancolia. Pode chamar a família e mandar convite à
freguesia.
Zé Maria, que não cabia em si de felicidade, mandou chamar a
secretária à sua presença.
- Bença padrinho - disse Florisbela, que tinha coxasbelas e era
afilhada sua. - Como posso lhe ajudar?
- Quero que você prepare um mailing e envie convites para o prefeito,
bom sujeito, demais autoridades, amigos e família. Não se trata de
pleito, mas será um big evento!
- Padrinho, mail..o quê? Pleito?
Florisbela era bela, esforçada, e cheia de boas intenções, mas às
vezes dava mancadas.
Zé Maria, certo de que o entendimento ia piorar, afinal diria
palavras mais difíceis, como “jazigo”, respirou fundo, contou até dez,
e entoou um mantra mentalmente:
- Minha filha, preciso que você mande convites para a inauguração do
jazigo da família.
Florisbela acionou a tecla sap, jogou o cabelo pro lado, engatou a
primeira e foi-se. Dois dias depois, toda a cidade já sabia da
novidade.
Era dia de festa, dois de novembro, feriado de Finados. A cidade
reuniu-se em peso. Do prefeito à Raimunda, esposa de seu Dias, todos
extasiados.
- Onde já se viu? Inauguração de um jazigo só mesmo no Brasil! E já
que estou aqui, vou fazer um discurso – bradou o prefeito, bom
sujeito.
Zé Maria, aflito, pra não botar água no chopp, deixou o prefeito fazer
as honras, mas disse solene:
- Meu dileto prefeito, bom sujeito: pra não quebrar o decoro, tens
direito ao discurso, mas avisa a teus eleitores que nem tudo na vida
são flores, que neste jazigo mando eu e tenho dito.
Nesta hora, pra por fim à cerimônia e dar o veredicto, chega o padre,
apressadinho e atrasadinho. Em nome da Santa Igreja Católica, o padre
foi atender ao chamado e ganhar uns caraminguás.
- Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo declaro inaugurado o
jazigo Azedinho, que serve de morada para os corpos que aqui
descansam.
Finalizando, leu a frase na lápide:

- Nós que aqui estamos por vós esperamos.

Ouvem-se fogos de artifícios e música eletrônica a todo volume.

domingo, 24 de abril de 2011

A SAÚDE E A FORTUNA

Entramos no quiosque de flores. Sugiro às crianças que levem para a avó alguma flor que simbolize saúde. A mais próxima sugerida pela atendente é a fortuna.

- Papai, por que essa flor se chama fortuna? A primeira pessoa que comprou ela ficou rica?
- Filhinha, papai não sabe. Vamos pesquisar na internet?
- Tá bom, papai.

Havíamos acabado de comprar um vaso cheio de fortunas e outro de begônias para a avó dos meus filhos, que se tratava de um câncer e estava hospitalizada, quando Clara, de 8 anos e meio, fez a pergunta sobre o nome da flor da fortuna. Era domingo de Páscoa. Pouco antes, ainda no quiosque, uma senhora que declarou-se avó também, se encantou com o gesto e o carinho demonstrado pelas crianças, interessadas que estavam em escolher bonitas flores para a avozinha.

- Estão levando as flores para sua mãe? – perguntou, curiosa.
- Não! É pra nossa avó que está doente no hospital – disseram os dois, quase como se tivessem combinado a resposta.
- Nota-se que vocês são crianças muito bem educadas. Parabéns! – retrucou a senhora.

Ao me perceber diretamente elogiado, eu, que ainda estava me sentindo culpado por ter brigado e perdido a paciência com os dois, pouco antes, em casa, pensei imediatamente com meus botões:

- Essa senhora não sabe de nada. Elogio pra mim? Eu mereço? Bem educados? Acabo de perder a cabeça com meus filhos e olha só o resultado. Mas em minha defesa rapidamente também pensei: - Amor também se planta, se semeia, aqui estou eu tentando equilibrar o jogo.

Chegamos à clínica e o resultado não poderia ter sido outro. A avó se encantou com o presente e com os cartões das crianças. A voz ficou embargada. Naquela posição de fragilidade, não perdeu o rebolado nem mesmo quando uma das crianças perguntou o que era o zigue zague que ela tinha no rosto.

- Zigue zague??? Espantaram-se os adultos ao lado, para em seguida concluírem que poderia ser uma referência às rugas da avó.

Criança não se aperta de jeito nenhum, pensei. Se não sabem nominar o que querem dizer, imediatamente inventam a palavra e são entendidas. Ai dos pais se não entendem.

Após o comentário, ganharam seus ovinhos da vovó e saíram, felizes, alma leve e lavada, para o almoço de Páscoa!


Resultado da história da fortuna: dinheiro não nasce em árvore mas amor nasce. As crianças acabam de provar isso.


Em tempo: Fui à internet e pesquisei. Diz a wikipedia: A flor-da-fortuna (Kalanchoe blossfeldiana) pertence à família das crassuláceas, originária da África. Possui folhas suculentas sendo resistente ao calor e a pouca água. Os tons desta linda flor, variam entre vermelho, alaranjado, amarelo, rosa, lilás e branco. Abre parênteses: a fortuna escolhida pela Clara era amarelinha. Geralmente alcança uma altura máxima de 30 cm e se adapta a um solo solto bem drenado e fértil. Os locais indicados para o cultivo são lugares bem iluminados (varandas e jardins), pois a planta é bastante resistente. As folhas e as flores não devem ser molhadas, porque podem apodrecer.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

ÓCULOS

Esta noite sonhei que havia trocado de óculos. Sou portador do adereço há muitos anos, desde pequeno. Quando descobri a vida, já foi com uma visão míope dela. Ainda assim, caminhei, caminhei procurando agulhas no palheiro. Mesmo de óculos não as achava. Tudo bem, fiquei pensando que durante todo este tempo eu, de fato, usava óculos. Ora, mas algo me impedia de ver a vida com a plenitude de suas cores e sinais. Talvez fosse o diagnóstico de quantos graus eu tinha. É.... talvez fosse. O fato é que esta noite, através do sonho, me dei conta de tudo. Estava usando um óculos não conforme. Bingo. Uma vez tendo me dado conta disso, a partir de hoje sou outra pessoa. Uma pessoa com óculos de acordo. Com óculos no grau e no padrão certos. Padrão certo? Ah tá bom, e por acaso existe padrão certo? Por acaso alguém aí muda da noite pro dia? Tudo é processo. A vida é um conjunto de processos, um conjunto de situações e experiências. A nós cabe filtrar o melhor de cada experiência apreender e aprender. Por meio do que vivemos, evoluir e crescer. É isso! Amanhã mesmo vou ao oculista!

terça-feira, 12 de abril de 2011

SEGUNDA-FEIRA

Hoje, quando abri os olhos, entendi perfeitamente a razão do meu mau humor. Atende pelo nome de segunda e o sobrenome de feira. Não necessariamente nesta mesma ordem, vá lá! Segunda-feira e eu estou às ordens de mais uma semana capitalista. Ah, diacho!! Até ontem estava tudo bem. Prainha com a patroa, cinema com as crianças, ilusões, sonhos, fantasias, até sexuais, transa no final do dia... Alegria, alegria, bradou Caetano, diretamente de algum exílio.
Naquele entardecer de final de semana não havia contas a pagar. Afinal, era domingo, pé de cachimbo. Malandro é o gato e tudo são flores! Eu sou apenas mais um rapaz latino americano, sem dinheiro no bolso, sem sobrenomes e salamaleques. Na sala do pequeno apartamento de dois quartos um porta-retrato me faz lembrar quem sou. Sujeito homem, casado, barbado, pai de família, às vezes vacila e na maioria acerta (pelo menos tenta) na mega sena, na mega sina. Super mega enrolado, mas boa gente.
Tá bom, mas....voltando à vaca fria, quem sou eu? A correspondência do banco que chega por debaixo da porta e não perdoa logo me faz lembrar. Sou aquele CPF. Aquele FDP. Mais um na estatística. Mais um no borderô. Mais um que juro faz juras de amor eterno ao modelo vigente mas sem juros e interesses. Segunda-feira, dia de botar o terno. Mesmo sendo eu sujeito carinhoso, terno, tô na selva, tô na briga. Tô na chuva pra me molhar, pra me melhor. Tremendo frango de padaria, desossado e duro.
Tá bem, mas agora é tarde. Vou dormir. Pra você aí que está se dando ao trabalho de me ler, vou “deslogar” do facebook e dormir o sono dos justos. Sonhar não custa nada. No meu banco, da praça aqui em frente, eu não devo. Apenas deito e durmo. Amanhã é mais um dia. Daqui a pouco é domingo e de novo segunda-feira. Não tem jeito. O melhor é viver e ser feliz!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Antes que eles cresçam

Affonso Romano de Sant'Anna


Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

É que as crianças crescem. Independentes de nós, como árvores, tagarelas e pássaros estabanados, elas crescem sem pedir licença. Crescem como a inflação, independente do governo e da vontade popular. Entre os estupros dos preços, os disparos dos discursos e o assalto das estações, elas crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância.

Mas não crescem todos os dias, de igual maneira; crescem, de repente.

Um dia se assentam perto de você no terraço e dizem uma frase de tal maturidade que você sente que não pode mais trocar as fraldas daquela criatura.

Onde e como andou crescendo aquela danadinha que você não percebeu? Cadê aquele cheirinho de leite sobre a pele? Cadê a pazinha de brincar na areia, as festinhas de aniversário com palhaços, amiguinhos e o primeiro uniforme do maternal?

Ela está crescendo num ritual de obediência orgânica e desobediência civil. E você está agora ali, na porta da discoteca, esperando que ela não apenas cresça, mas apareça. Ali estão muitos pais, ao volante, esperando que saiam esfuziantes sobre patins, cabelos soltos sobre as ancas. Essas são as nossas filhas, em pleno cio, lindas potrancas.

Entre hambúrgueres e refrigerantes nas esquinas, lá estão elas, com o uniforme de sua geração: incômodas mochilas da moda nos ombros ou, então com a suéter amarrada na cintura. Está quente, a gente diz que vão estragar a suéter, mas não tem jeito, é o emblema da geração.

Pois ali estamos, depois do primeiro e do segundo casamento, com essa barba de jovem executivo ou intelectual em ascensão, as mães, às vezes, já com a primeira plástica e o casamento recomposto. Essas são as filhas que conseguimos gerar e amar, apesar dos golpes dos ventos, das colheitas, das notícias e da ditadura das horas. E elas crescem meio amestradas, vendo como redigimos nossas teses e nos doutoramos nos nossos erros.

Há um período em que os pais vão ficando órfãos dos próprios filhos.

Longe já vai o momento em que o primeiro mênstruo foi recebido como um impacto de rosas vermelhas. Não mais as colheremos nas portas das discotecas e festas, quando surgiam entre gírias e canções. Passou o tempo do balé, da cultura francesa e inglesa. Saíram do banco de trás e passaram para o volante de suas próprias vidas. Só nos resta dizer “bonne route, bonne route”, como naquela canção francesa narrando a emoção do pai quando a filha oferece o primeiro jantar no apartamento dela.

Deveríamos ter ido mais vezes à cama delas ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas e confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de colagens, posteres e agendas coloridas de pilô. Não, não as levamos suficientemente ao maldito “drive-in”, ao Tablado para ver “Pluft”, não lhes demos suficientes hambúrgueres e cocas, não lhes compramos todos os sorvetes e roupas merecidas.

Elas cresceram sem que esgotássemos nelas todo o nosso afeto.

No princípio subiam a serra ou iam à casa de praia entre embrulhos, comidas, engarrafamentos, natais, páscoas, piscinas e amiguinhas. Sim, havia as brigas dentro do carro, a disputa pela janela, os pedidos de sorvetes e sanduíches infantis. Depois chegou a idade em que subir para a casa de campo com os pais começou a ser um esforço, um sofrimento, pois era impossível deixar a turma aqui na praia e os primeiros namorados. Esse exílio dos pais, esse divórcio dos filhos, vai durar sete anos bíblicos. Agora é hora de os pais na montanha terem a solidão que queriam, mas, de repente, exalarem contagiosa saudade daquelas pestes.

O jeito é esperar. Qualquer hora podem nos dar netos. O neto é a hora do carinho ocioso e estocado, não exercido nos próprios filhos e que não pode morrer conosco. Por isso, os avós são tão desmesurados e distribuem tão incontrolável afeição. Os netos são a última oportunidade de reeditar o nosso afeto.

Por isso, é necessário fazer alguma coisa a mais, antes que elas cresçam.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Segundo Tempo

A vida começa!
Aos 40, a caravana chega.
O rosto "enjuvenesce".
O que passou......esquece.
Agora, a vida começa. Essa.
A outra já foi.
Já é!
A cara passa em revista, a carapuça.
Veste?
A cara pulsa. O sangue corre.
Vira a folha do livro.
Deus te livro! Te socorre.
A página em branco é sua.
Sua e consegue.
São 45 minutos do segundo tempo pra você vencer!

O Vinho

O vinho, que era branco, enviúva da uva.
Quem vai salvá-lo?
Aqui na sala, sou eu quem falo.
Quando bebo, me calo.
Não tem jeito.
Remediado está.
O melhor acontece, deixa estar.
Deixa na sala de estar.